quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Surdez na Criança.

A surdez ou mesmo a diminuição menos radical da audição numa criança, é uma situação complexa e eventualmente grave, pois pode vir a afetar todo o seu desenvolvimento psicológico, a fala, a aprendizagem escolar e a sua intelectualidade em geral, prolongando os seus efeitos pela vida adulta.

O problema põe-se, sobretudo, quando a surdez é bilateral.
A surdez ou perda de audição pode ter origem periférica ou central.

No primeiro caso é causada por uma disfunção da transmissão do som através do ouvido externo e do ouvido médio.

Situações como cerúmen compactado, corpos estranhos no conduto auditivo externo, interrupção ao nível dos pequenos ossos próprios do ouvido, perfuração da membrana do tímpano, otite média com derrame, etc., podem causar esta espécie de perda de audição. Nos casos de origem central pode haver lesão do nervo auditivo ou da sua ligação com o córtex cerebral.

Tumores, doenças desmielinizantes, convulsões e um número apreciável de síndromas congénitos, fazem parte das causas deste grupo.


Considera-se que, no mundo ocidental, 0,5 a 2,3% das crianças têm hipoacusia (diminuição da audição) superior a 40 decibéis, sendo a percentagem de 2 a 4,4% nos países em desenvolvimento.

Nestes grupos, 1-2 % das crianças sofrem de surdez de origem central bilateral, com perda superior a 50 decibéis.


Nem todas as causas de surdez são conhecidas ou diagnosticáveis e se é relativamente fácil diagnosticar a surdez, nem sempre é fácil diagnosticar a sua causa.


CAUSAS DA SURDEZ
Como já se deu a entender, são múltiplas, e devem ser consideradas conforme o período de desenvolvimento da criança e em que a causa produtora da surdez atuou.

Período pré-natal
Na surdez de origem pré-natal, o problema surge em qualquer momento da vida intra-uterina da criança, desde a concepção ao nascimento.

Nos primeiros três meses falamos ainda de embrião e no restante da gestação já falamos de feto.

O ouvido médio forma-se antes do terceiro trimestre da gravidez, e o ouvido interno já está formado ao sexto mês.

De todo o período da gravidez, as primeiras três semanas são o período mais sensível e em que qualquer alteração pode ser mais nociva para o ouvido do bebé.


A surdez que tem origem neste período pode ser de causa hereditária e de causa genética não hereditária.

Uma criança que tem um familiar com surdez de origem hereditária está em risco de poder vir a sofrer do mesmo.

Existem, pelo menos, 16 tipos de surdez hereditária não associados a outras anomalias.

Na maior parte dos casos, a surdez hereditária é bilateral , com ambos os ouvidos afectados, mais ou menos igualmente.

A hipoacusia e a surdez podem estar associadas a alterações cromossómicas e dos genes.

Como exemplo destes síndromas malformativos em que pode haver um grau maior ou menor de surdez temos, entre muitos outros, o mongolismo (trissomia 21).

No que se refere ao bebé, as alterações que podem afectar a audição são fundamentalmente a prematuridade, o baixo peso ao nascer, a existência de gémeos com pesos muito diferentes...

Causas Maternas

São provocadas por alterações uterinas, intrínsecas e extrínsecas.

São exemplo as cintas apertadas para manter a elegância ou esconder a gravidez, com as suas prejudiciais consequências.

No entanto, neste grupo, são de considerar em especial as infecções maternas, nomeadamente a rubéola (responsável até 20% dos casos de surdez por estas causas) e um número apreciável de outras infecções por vírus ou bactérias, em que se salientam a toxoplasmose, o herpes simples, a sífilis e a escarlatina.

Todas as vacinações na grávida devem ser evitadas, com excepção do tétano.

A chamada doença gravídica ou toxémia gravídica tardia, que se acompanha de hipertensão e edema, pode provocar alterações graves no feto e na sua audição.

O mesmo se passa com a má nutrição da grávida, a sua carência em vitaminas, a ingestão de alguns medicamentos (como certos anti-histamínicos e antimaláricos) e todas as drogas como o tabaco, o álcool e outras drogas, que podem provocar alterações no feto, incluindo a surdez.


Período Neonatal
É o período que engloba o momento do nascimento e o tempo imediatamente antes e depois.

Normalmente, considera-se que este período se estende até ao 28º dia de vida e tem a ver com o bebé, a sua mãe e tudo o que os rodeia ou se relaciona com os dois.

No que se refere ao bebé, as alterações que podem afetar a audição são fundamentalmente a prematuridade, o baixo peso ao nascer, a existência de gémeos com pesos muito diferentes, a incompatibilidade Rh, as infecções, a anoxia (falta de oxigénio) neonatal e medicamentos lesivos do ouvido (gentamicina, estreptomicina).

Neste grupo é de salientar a influência muito negativa do tabagismo materno na prematuridade e no baixo peso ao nascer.

O risco de perda de audição nos prematuros é 35 vezes mais elevado do que nos recém-nascidos de termo.

E está estatisticamente demonstrado que o baixo peso ao nascer coincide frequentemente com a perda de audição.


No que se refere à mãe está demonstrado que o parto prolongado, as hemorragias no parto e a gravidez prolongada podem contribuir para a surdez do recém-nascido.

Surdez Pós-Natal
As causas hereditárias e genéticas de surdez nem sempre se manifestam nos primeiros anos, podendo vir a manifestar-se mais tarde.

Num estudo feito nos Estados Unidos, demonstrou-se que 41% dos doentes, com surdez expressa até aos 19 anos, tinham surdez adquirida após o nascimento, sendo quer de causa genética e hereditária, de aparecimento tardio, quer verdadeiramente adquirida.


De entre as causas adquiridas pós-parto devemos salientar: as infecções gerais, sobretudo as provocadas por vírus ou as que afectam o sistema nervoso central, como o sarampo e a papeira.


De entre as infecções locais salientam-se as tão vulgares otites médias agudas, em que a audição só se normaliza inteiramente cerca de um mês depois da sua fase aguda.



As crianças que fazem infecções respiratórias altas de repetição (adenóidites, sinusites, amigdalites) devem, ainda, ser protegidas com as chamadas vacinas, para a estimulação da sua imunidade, além de deverem ser estudadas, na altura própria, sob o ponto de vista alérgico.



Já no que se refere à otite média crónica, a perda de audição pode ser significativa, sobretudo se for bilateral.

De salientar a importância da alergia no aparecimento da otite, sobretudo exsudativa, em que o tabagismo ambiental que afecte a criança, sobretudo se vier de uma mãe fumadora, pode ter um papel fulcral.

São frequentes também os casos de surdez de transmissão ligada a rinite alérgica, sinusite, obstrução tubária (dos tubos que ligam a cavidade nasal ao ouvido médio) e asma.


Não falando ainda dos traumatismos cranianos (quedas de bicicletas, jogos violentos etc.), é de salientar o efeito prejudicial do traumatismo sonoro (discotecas, auscultadores de música potentes, colocados directamente sobre os ouvidos da criança), responsável por grande número de casos de surdez.



COMO PREVENIR?
O futuro da audição de uma criança surda ou hipoacúsica é extremamente variável e quase sempre imprevisível.

Tudo depende do momento em que a situação se estabeleceu, do tipo e grau da lesão, se é uni ou bilateral e ainda do estado mental da criança, do seu desenvolvimento no momento da lesão e da sua capacidade geral de recuperação.

Desta forma, a prevenção da surdez estende-se por todo o tempo do desenvolvimento da criança, começando ainda antes do seu nascimento.

Antes do nascimento, há que evitar o casamento de surdos entre si, sobretudo se um ou os dois sofrem de surdez hereditária.

Há que evitar também a consanguinidade, sabendo que uma em cada oito pessoas tem um gene recessivo (não expresso obrigatoriamente) para a surdez.


Há que acautelar ainda a suspeita de alterações genéticas nos futuros pais, bem como as incompatibilidades Rh, possíveis infecções da grávida, parasitoses, vacinações e o uso de drogas (atenção ao tabaco!).


A gravidez deve ser vigiada e, sobretudo em épocas de epidemia (de gripe, por ex.), a grávida deve evitar as aglomerações de pessoas (cinemas, restaurantes, supermercados) onde o contágio pode ser maior.

No período Neo-Natal

A prevenção passa por evitar ao máximo o traumatismo próprio do parto e o pós-parto (ruído ambiental);

por evitar a anóxia no parto,

as consequências de uma icterícia por incompatibilidade Rh;

por evitar o sofrimento fetal e uma incubação prolongada;

por evitar ao máximo as infecções no recém-nascido; e, ainda, o uso de medicamentos lesivos do ouvido (por exemplo certos antibióticos).


No período Pós-Natal (todo o resto da vida da criança...) é já possível prevenir a surdez de uma forma mais ativa.

Nesta fase, os acidentes, sobretudo os domésticos, têm uma parte importante, dado que constituem para a criança um grande factor de risco, sobretudo nos primeiros anos de vida.

As quedas, do colo de familiares, durante o banho, de cadeiras altas ou de mesas, muitas vezes ocorridas no primeiro e segundo ano de vida, causam frequentes traumatismos cranianos com perda de audição, que muitas vezes só é detectada muito mais tarde.

Nos anos seguintes, o bulício próprio destas idades leva a acidentes com baloiços ou quedas várias, provocando pancadas que podem levar à ruptura do tímpano ou outras lesões.

Os acidentes de viação (automóvel ou bicicleta), também podem provocar traumatismos cranianos com perda de audição, sobretudo das frequências agudas, muitas vezes com caracter definitivo.

Não esquecer que as crianças devem sempre ser transportadas nos lugares traseiros e com os mecanismos de retenção obrigatórios.

Se andarem de bicicleta devem usar um capacete!

Cuidados na Piscina ou no Mar

Para evitar as otites e outros problemas dos ouvidos:

- Não praticar nunca natação sem consultar primeiro o seu médico assistente;

- Não ir à praia ou à piscina se teve um problema de ouvidos que ainda não está totalmente recuperado;

- Evitar as imersões bruscas em água fria;

- Não ficar muito tempo dentro de água;

- Não meter nada nos ouvidos para limpar a água;

- Cuidado com os mergulhos, que só devem ser praticados se a criança estiver de perfeita saúde;

- Se sofre de otite crónica, se teve uma otite recente, mesmo que curada, ou se lhe foram colocados tubos de drenagem nos ouvidos, não deve tomar banho!


Também o desporto pode ser outra fonte de acidentes geradores de surdez.

Daí a importância da escolha de um desporto adequado e não provocador de pancadas perigosas.

No caso de, ainda assim, um desses desportos ser praticado pela criança, é importante a utilização de cuidados e protecção adequados.


Cuidado com os Mergulhos nas Piscinas ou no Mar! (Ver destaque).

Não esquecer, desde a primeira infância, a prática correcta de um plano de vacinas, incluindo as novas vacinas facultativas, mas muito importantes, contra a meningite por haemofilus, pneumococus e meningococus.

As crianças que fazem infecções respiratórias altas de repetição (adenóidites, sinusites, amigdalites) devem, ainda, ser protegidas com as chamadas vacinas, para a estimulação da sua imunidade, além de deverem ser estudadas, na altura própria, sob o ponto de vista alérgico.

Por último, o ruído, de que a nossa civilização está cheia. O traumatismo sonoro é hoje um problema sério para as nossas crianças.

Desde muito novas, muitas delas habituam-se a ouvir música tipo rock com intensidades muito altas (100-130 decibéis) e ainda rádios portáteis, com auscultadores, e durante horas seguidas, que não podem deixar de ter as suas consequências.


Termino com as palavras de dois Mestres da prevenção e tratamento da surdez infantil:


“É necessário todo um esforço de educação do povo para evitar o traumatismo craniano e sonoro nas crianças, tantas vezes causador de surdez profunda”.1 S&L


Bibliografia:
1. Manual de Otorrinolaringologia, Samuel A. Bentes Ruah, Carlos Bentes Ruah.
2. Textbook of Pediatrics, Nelson
3. Clinical Pediatrics and Child Health, Candy, Davies e Ross
4. Children’s Hospital at Westmead (informações aos pais)
5. National Dissemination Center for Children With Disabilities
6. Bebé d’Hoje ( Julho 2004)

Samuel Ribeiro
Médico Pediatra

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Fonte e Imagem:http://www.saudelar.com/imprimir.asp?path=%2Fedicoes%2F2004%2Fsetembro%2Fprincipal.asp&file=02_pediatria.htm

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