quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Gagueira e Disfluência Comum na Infância


 
 
 
 
 
 
 
Entre todos os problemas importantes que preocupam os pais de crianças que na faixa etária dos três anos começam a apresentar problemas de fluência, um dos que mais causam dúvidas, desconforto e, por muitas vezes, desorientação, é a definição dessa disfluência: se ela faz parte do processo de aquisição de linguagem da criança, ou se ela de fato representa o que os especialistas chamam gagueira do desenvolvimento, que “surge antes da puberdade, geralmente entre dois e cinco anos de idade, sem dano cerebral aparente ou outra causa conhecida”, de acordo com o site do IBF (http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=121).

Felizmente, já é possível diferenciar melhor estes dois quadros, e uma síntese desta possibilidade é exposta com clareza no presente artigo das fonoaudiólogas Suzana Maria de Amarante Merçon e Kátia Nemr.

As autoras iniciam o texto afirmando que a disfluência é um fenômeno comum na fase em que as crianças estão estruturando sua linguagem.
Mas, em alguns casos, essa disfluência pode sinalizar o início do processo de gagueira, por isso é importante que os pais de crianças que apresentam alguma disfluência procurem um fonoaudiólogo especializado.

Esse profissional, na atualidade, conta com uma série de descobertas que delimitam a gagueira como um problema que afeta áreas do cérebro responsáveis pela linguagem, além de interferir no controle motor da fala.

Tais descobertas eliminaram a possibilidade de se supor que a gagueira do desenvolvimento é provocada por algum acontecimento ou trauma do mundo exterior. Ou seja, muito embora o fato de encontrar-se em situações acolhedoras pode ajudar a criança que gagueja, apenas isso não é suficiente para que ela deixe de gaguejar.

Além de definir o cérebro como um local importante de origem e manifestação dos processos que envolvem a gagueira, as recentes pesquisas têm delimitado algumas diferenciações entre, de um lado, as disfluências que são manifestações infantis naturais ao período de estruturação linguística, e, de outro lado, as disfluências que são sinais efetivos de gagueira.

Vejamos algumas dessas diferenciações, de acordo com os critérios usados pelas autoras:

1) Frequência: as ocorrências de disfluências na gagueira do desenvolvimento são mais frequentes do que as disfluências comuns da infância, que têm, em geral, caráter esporádico.

2) Evolução: as ocorrências de gagueira podem desaparecer (remissão espontânea) ou agravar-se com o tempo.

É possível ainda haver um cessamento temporário das ocorrências, com retorno posterior, dando ao quadro um caráter intermitente.
As disfluências comuns da infância tendem a amenizar e desaparecer.

3) Linguagem:

Há uma diferença muito importante, em termos de linguagem, entre a gagueira do desenvolvimento e a disfluência comum na infância: as crianças que tendem a desenvolver gagueira apresentam problemas para emitir fonemas (o que normalmente as pessoas chamam “letras”) e sílabas, em particular nos primeiros fonemas das sílabas ou nas primeiras sílabas das palavras, ao passo que as crianças que disfluem sem gaguejar, quando manifestam problemas, o fazem em palavras inteiras, partes de frases ou frases inteiras.


4) Tipos de Disfluência:

A gagueira do desenvolvimento abarca alguns tipos de disfluências específicas:

repetições de fonemas e sílabas;
repetições de partes de palavras;
prolongamentos de fonemas,
bloqueios e pausas preenchidas (interrupções na fala nas quais a pessoa insere sons, como “ééééé´”...).

As disfluências comuns se caracterizam, como já se disse aqui, por repetições de palavras inteiras, partes de frases ou frases inteiras, e também por revisões de palavras (correções que o indivíduo faz durante seu discurso, ao notar que emitiu algo incorreto: “Ela sempre vem/vai na casa da mãe”).

As crianças com disfluência comum podem falar algumas palavras pela metade e também fazer pausas, que podem ser silenciosas ou preenchidas.

5) Caráter Voluntário ou Involuntário:

a gagueira do desenvolvimento é completamente involuntária, ou seja, não depende da vontade da criança gaguejar ou não gaguejar. Na disfluência comum na infância, pode haver um certo grau de deliberação e controle.


6) Comportamento do corpo:

Observa-se que as crianças que gaguejam podem apresentar tensão no rosto e/ou no corpo, e alguns movimentos corporais associados aos momentos em que gagueja.

Esses movimentos tendem a se intensificar com a evolução da gagueira. Na disfluência comum na infância não se observa tensão ou movimento corporal associado.

7) Desempenho linguístico:

Nas crianças que gaguejam pode-se observar alguns problemas relacionados ao desempenho da linguagem: em testes de avaliação e correção de frases mal formadas, obteve-se para as crianças que gaguejam um desempenho inferior ao das que não apresentam gagueira; resultado semelhante se obteve em testes de recuperação de fonemas em não-palavras (sequências de fonemas que não correspondem a palavras da língua), para verificiar a habilidade em recordar-se de fonemas.

Essa característica, segundo os estudiosos, representa não uma deficiência linguística, mas sim um problema que há entre a ativação do fonema no cérebro e a sua produção na fala.

As pesquisas em linguagem comprovam que a gagueira não é um problema originado no aparelho fonador, muito embora suas manifestações o atinjam.

8) Outras manifestações:

As crianças que gaguejam costumam ser impacientes com sua dificuldade de falar, têm dificuldade em manter contato visual com as pessoas com quem conversam, e não raro desistem de falar.

Nota-se também que a gagueira pode ser acompanhada de falta de coordenação entre a fala e a respiração, diferentemente da disfluência comum, que mesmo quando acontece vem acompanhada de respiração normal e regular.

Além de enumerar aspectos importantes na distinção entre a disfluência comum na infância e as fases iniciais da gagueira do desenvolvimento, as autoras apresentam em seu trabalho os fatores que podem causar confusão no processo de diagnóstico da gagueira, de um lado, e na detecção da disfluência comum na infância, de outro.

São eles:

1) Ao contrário da gagueira infantil, as disfluências comuns na infância em geral são esporádicas, e a fluência tende a aumentar com o passar do tempo.

Já as crianças que gaguejam podem apresentar períodos de fala fluente – é a chamada remissão parcial, que pode dar a entender aos pais que a criança superou definitivamente essa fase

(já vimos que isso acontece porque a gagueira é intermitente.) No entanto, após a remissão, os eventos de gagueira podem voltar ainda mais evidentes e persistentes.

Nos casos de gagueira infantil, temos ainda, com frequência, a possibilidade de recuperação espontânea.

2) Tanto a gagueira quanto a disfluência comum na infância acontecem em semelhantes faixas etárias.

O início do processo de gagueira coincide com o ápice dos comportamentos relacionados à disfluência comum.

3) As repetições, prolongamentos e bloqueios da gagueira podem facilmente ser interpretadas como uma incerteza da criança sobre qual palavra usar no dado momento – um traço da disfluência comum ao processo de aprendizado da linguagem, que está ligada muitas vezes ao preparo da criança para o que vai dizer.

Observe-se que mesmo assim os comportamentos não são os mesmos, já que na disfluência comum a criança hesita e repete palavras inteiras, o que não é o caso da fala gaguejada, que se caracteriza por repetições de fonemas e sílabas, na maioria das ocorrências.

4) Estudos mostram que existem problemas de produção de linguagem em todas as crianças que estão aprendendo a falar.

Essas semelhanças podem mascarar o surgimento da gagueira do desenvolvimento, e permitir que ela seja interpretada como uma dificuldade natural da criança no trato com a língua que ela está adquirindo.

Na avaliação fonoaudiológica da criança que apresenta problemas de fluência, a fim de definir se eles são de fato indicativos de gagueira do desenvolvimento, é importante prestar atenção a todos os aspectos citados acima.

E aos pais da criança que tem dificuldades na sua fluência, é essencial que busquem um profissional o quanto antes, de preferência no momento em que eles notarem que a criança fala com dificuldade, a fim de que se faça o diagnóstico de um problema ou de outro, e que haja tempo para que a criança possa ser devidamente tratada, conforme for a sua condição.

O fonoaudiólogo especializado saberá qual conduta assumir, tanto para os casos de disfluência comum da infância, quanto para os casos de gagueira.

Obs:Síntese e Comentários de Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt

Texto Original: MERÇON, S. A. A., NEMR, K. Gagueira e disfluência comum na infância: análise das manifestações clínicas nos seus aspectos quantitativos e qualitativos. Revista do CEFAC, São Paulo, vol. 09, no. 02, 174-179, abr-jun 2007.

Fonte:http://www.gagueira.org.br/conteudo.asp?id_conteudo=201

Imagem:Net

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